segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água

Não, este não é um texto sobre o romance que estamos lendo para o 4o nível. Quer dizer, é e não é. É sobre a morte de Wilson Melo, o nosso Quinca Berro D'Água. Sim, ele existiu e por uma infeliz coincidência morre no momento em que estamos lendo este livro. Eu assisti à  montagem da peça em que ele interpretava o Quincas, em 1996. Na época eu participava de um curso de Crítica Teatral e a peça era uma das 3 que deveríamos assistir para a partir dela escrever um texto, como exercício.

Wilson Melo não era Quincas só porque interpretou a personagem nos palcos, mas porque levava uma vida boêmia, assumidamente boêmia, e levava isso na raça, para onde ia. Optou pela vida noturna, dos becos. E eu, como qualquer jovem de minha geração que frequentou a noite de Salvador, o conhecia, lhe tinha respeito por ser um senhor de mais de 70 anos que frequentava os lugares que eu com vinte e poucos também frequentava. Sentamos na mesma mesa algumas vezes e nisso posso lhes garantir que não é privilégio meu. Muita gente sentou na mesa dele. O mundo sentava na sua mesa.

Wilson Melo era encarnação da própria arte. Não a arte bonitinha, bem feita, bem acabada, mas a arte como estilo de vida: contestação política por uma atitude de vida. Wilson Melo, como Quincas, era como o rock´n´roll, como o reggae, como o movimento hippie, como os românticos, como os beatniks, como os punks: não o que fizeram destes movimentos depois, mas a sua essência: contestação pela forma de ser, pelo comportamento. E nisso ele seguia em frente. A montagem referida era uma produção bem feita, cuidadosa, com uma verba razoável. Mas o ator Wilson Melo estava ali inteiro. Meio ele meio o outro, e ninguém sabia distinguir interpretante do interpretado: nem o mais íntimo de seus amigos.

E aí reside a ironia da proposta da montagem teatral. Eu vi Quincas Berro D'Água duas vezes no teatro Castro Alves, e depois, como é de praxe entre muitos jovens "alternativos" (nem pensem que vou esmiuçar a riqueza semântica que a classificação simplista emudece), eu saí da peça e fui tomar umas no Beco dos Artistas. E lá estava ele, O Wilson Berro Dágua, o Quincas Melo, gritando por cerveja, assobiando como só ele assobiava, cumprimentando a todos com a sua gentileza boêmia e me dando a esperança de que sim, que a arte tem uma dimensão muito maior que a nossa vidinha mais ou menos. A peça, para mim, era a evidência de que Jorge Amado estava muito mais próximo de minha realidade cultural do que eu mesmo imaginava.

Palmas para Wilson Melo. Que esteja assobiando por aí, no céu ou no inferno. Onde estiver, a diversão é garantida.  Contando piadas e lembrando das duas montagens do Quincas, e de tantos outros trabalhos no teatro, na tv e no cinema do qual participou. Evoé, Melão!

Alex Simões (professor, ex-boêmio e assíduo frequentador dos teatros da vida e dos palcos)

Vejam a notícia:

Morre ator baiano Wilson Melo


Pedro Fernandes  A TARDE

Morreu neste sábado pela manhã, em sua casa no Rio Vermelho, o ator baiano Wilson Melo. Aos 77 anos, ele era hipertenso e vinha sofrendo com uma trombose. O sepultamento aconteceu às 16h30, no cemitério Jardim da Saudade.




Ator premiado, trabalhou em mais de cem peças e aproximadamente 20 filmes, entre eles Dona Flor e seus Dois Maridos e Tenda dos Milagres. Seu último espetáculo foi O Terceiro Sinal (2008), dirigido por Deolindo Checcucci.



O ator tem entre seus trabalhos mais célebres duasmontagens da peça Quincas Berro D‘água. A primeira encenada em 1972, em adaptação de João Augusto e a última em 1996, sob direção de Paulo Dourado.


“Apesar da idade, ele nunca perdeu as motivações iniciais do ato artístico. A Wilson nunca interessou ser um grande ator. Lhe interessava ser um ator, estar em cena”, diz Dourado.


A alegria de viver e trabalhar nos palcos, segundo amigos e parceiros de cena, era uma das principais características de sua personalidade. “Ele fazia teatro sem dor. Não era um ator de queixa. Sua marca era o bom humor”, conta Paulo Henrique Alcântara, que o dirigiu em Lábios Que Beijei, ao lado de Nilda Spencer (1924 - 2008).


Em nota de pesar o secretário de Cultura do Estado, Márcio Meirelles lamentou a perda. “Grande ator, grande pessoa, companheiro. Malandro, eterno Quincas que encarnou, Wilson sai dessa vida para a Memória”.
http://atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=2574500

3 comentários:

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  2. Um ícone baiano que manteve um jeito de ser na sua vida toda.
    Perseguir esse modelo é a felicidade mesma, uma estrela para a gente...
    Os modelos existem... Imitemos sem tristeza...
    Até a vista Wilson!

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  3. Querido,
    que lindo texto! Vou enviar o link para minha mãe lê-lo e se emocionar!
    O blog está massa, como sempre, e acho que tem material legal aí, sobretudo os seus textos sobre a experiência na Argentina... Como é esse professor fora do seu ambiente natural de ensino, em imersão na língua? Que estranhamentos isso produziu?
    Beijos!

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